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O CAUSO Mais Verdadeiro.

O CAUSO mais verdadeiro.

Verão de 2014, São Paulo.

“Vamos fabricar óculos de madeira na Bahia?”, ele perguntou ansioso enquanto apertava entre as mãos 3 ou 4 armações inacabadas. Assustada, acho que meus olhos disseram sim porque os dele se iluminaram de imediato.

Quando tudo isso começou, ninguém sabia muito bem aonde ia dar. Aos 50+, sentíamos as insatisfações e dificuldades de nos acomodarmos no mercado de trabalho, ele engenheiro de mecatrônica, eu jornalista. A rotina de um casamento de quase 30 anos também deixava o ar pesado e por vezes era mais cômodo não pensar sobre isso. Mas quando você reconhece que a única filha cresceu e vai voar a qualquer momento; e aquela imagem, antes tão nítida, dos dois envelhecendo juntos começa a perder o foco e lembrar do último sonho sonhado juntos é tão difícil quanto constrangedor… então, você pode não querer pensar, mas é impossível não sentir.

Mais do que inspirar ou inovar, nossa urgência era a da renovação. Isso a gente sabia. Ou nos reinventávamos ou estávamos condenados.

 

Verão de 1987, Morro de São Paulo, BA.

Foi o verão da Lata. O Jörg veio ao Brasil pela primeira vez convencido pelo pai que morava aqui temporariamente. Eu partia feliz para as primeiras férias remuneradas. Bolso cheio, fome de vida. Ao raiar do dia, num barquinho de pescador, atravessando de Valença para Morro de São Paulo, meus olhos deram com aquele moço de olhos azuis. Ele não falava uma única palavra em português. Eu não conseguia nem separar, no ouvido, as palavras em alemão. Entre as mímicas, os olhares e os desenhos na areia, nossa essência se conectou. Foram dez dias. Na despedida, choramos feito duas almas apartadas. O que se viu naquele dia foi a maré mais cheia que a Bahia já registrou.

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(nós 2, eu e o Jörg, sentados à esquerda do barco, há quase 30 anos)

Nunca perdemos contato. Trocávamos cartas que falavam de novas perspectivas na vida. Contei que estava de mudança para Brasília, que trabalhava na TV Globo e que ia me casar. Ele falava das maravilhas de viver em Berlim, de como pensava conduzir sua vida de engenheiro e que estava apaixonado pela namorada com quem ia viver.

SAM_7196Alguns anos depois, escrevi uma longa carta. Era pra contar que meu casamento havia acabado. A resposta chegou em poucas semanas. Ele também vivia a tristeza de um relacionamento terminado. No Natal daquele ano, ele desembarcou em Brasília. Sinto até hoje o coração disparar ao me lembrar da imagem dele descendo do avião. Nós dois ainda tínhamos a Bahia em nós. Não demorou muito e eu estava pedindo demissão, entregando as chaves do apartamento e embarcando pra viver essa história de amor em Berlim.

 

Quase verão de 2015, São Paulo e Bahia.

Quase um ano depois, aquelas armações inacabadas viraram óculos belíssimos. O design é moderno, a qualidade é alemã (rsrsrs) e o jeito de fazer respeita o meio ambiente. Mas eles têm algo a mais. Eles resgatam e contam as histórias das madeiras de demolição que usamos pra confeccioná-los. Um a um. São histórias adormecidas, esquecidas, algumas soterradas. Histórias das madeiras que faziam parte das fazendas cafeeiras do século 19, ou do barco com seu casco rachado depois de centenas de viagens… são infinitas histórias aguardando o resgate. Agora, em forma de óculos, elas ganham uma segunda chance. Renascem.

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Enquanto o Jörg trabalha a madeira e eu escrevo as histórias, um pequeno milagre acontece. Sonhamos, juntos, com a hora de retornar a Bahia. Uma viagem de resgate ao essencial. Uma segunda chance para a nossa própria história.

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